Sem trocado, sem ônibus — a saga de quem tenta andar de coletivo no DF
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Sou o Roberto, do canal Roberto No Trecho. Já rodei por muito canto desse Brasilzão, e juro: poucas coisas me deixam tão irritado quanto tentar usar o transporte coletivo aqui no Distrito Federal. Parece que o sistema foi desenhado pra testar a paciência do cidadão — e do turista também. Acredite, se você chegar aqui com vontade de conhecer Brasília e não tiver um cartão, um aplicativo instalado ou um milagre no bolso, vai ficar literalmente na merda.
Outro dia mesmo, desci na Rodoviária do Plano Piloto — aquele formigueiro humano no coração da capital — e precisei pegar um ônibus pra Samambaia. Coisa simples, né? Fui ali na plataforma, o ônibus encostou, e quando fui puxar o dinheiro do bolso, o cobrador me olhou com aquela cara de quem vai dar notícia ruim. “Dinheiro não, chefe. Aqui agora é só cartão ou QR Code.” Eu ri, achando que era brincadeira. Mas não era. O cara nem olhou pro meu rosto, só apontou pra maquininha como quem diz: ou passa o cartão, ou fica.
E eu fiquei.
Aí começa o jogo de caça ao tesouro moderno: encontrar um lugar que venda ou recarregue o bendito cartão. A bilheteria? Fechada. O quiosque da empresa? Só aceita PIX. E o turista, que mal sabe o que é o “Bilhete Único DF”, faz o quê? Senta e chora? Fica ali olhando o Eixão passar enquanto o ônibus vai embora cheio de gente suada, com as janelas emperradas e o ar-condicionado desligado pra economizar combustível?
É surreal. A gente vive num país onde ainda tem lugar que nem sinal de celular pega direito, e o transporte público de uma capital federal simplesmente decide abolir o dinheiro. Do dia pra noite. Nenhum plano B, nenhuma máquina de troco, nenhuma orientação decente. Só a placa: “Não aceitamos dinheiro.”
Agora, pensa no turista que chega do interior, com o dinheiro contado, sem saber de nada disso. O cara desembarca em Brasília achando que vai usar o transporte público, economizar pra conhecer os pontos turísticos, e descobre que precisa de um cartão que ele nunca viu na vida. E se o cara não tiver conta digital, celular bom, aplicativo, ou até internet pra fazer um PIX? É o caos.
Enquanto isso, os taxistas e os motoristas de aplicativo esfregam as mãos. Claro! Quem não consegue pegar ônibus, acaba caindo neles. Mas nem todo mundo tem grana pra isso. É o tipo de medida que parece moderna, mas na prática é excludente. É o transporte público virando transporte para poucos.
E o pior: a desculpa é sempre a mesma — “é pra agilizar o embarque, pra reduzir assalto, pra modernizar o sistema”. Só que modernizar não é complicar a vida do usuário. Modernizar é oferecer opções. Quer acabar com o dinheiro? Beleza. Mas cria um sistema acessível. Deixa o passageiro comprar passagem com cédula em algum ponto, bota um terminal automático que funcione, treina o pessoal pra orientar o povo. Do jeito que tá, é um convite pra desistir do transporte coletivo e se enterrar no trânsito de carro.
Brasília já tem um transporte confuso por natureza. É uma cidade desenhada pra automóvel, onde as linhas de ônibus parecem um enigma e os horários são uma promessa distante. Agora, sem aceitar dinheiro, virou um labirinto digital. É o tipo de inovação que esquece das pessoas.
Eu, que sou do trecho, acostumado a me virar, fiquei puto, mas dei um jeito. Fui andando, pegando carona, até conseguir um cartão emprestado. Mas e quem não tem essa sorte? E o trabalhador que precisa cruzar a cidade às cinco da manhã e não tem nem sinal no celular pra fazer um PIX? Fica pra trás.
Engraçado como o discurso da modernidade no Brasil sempre vem cheio de buracos. A gente quer ser digital, mas esquece que boa parte da população ainda vive no analógico. Querem um transporte sem dinheiro, mas não garantem inclusão digital. Querem ônibus rápidos, mas não garantem nem que passem no horário.
E o turista, coitado, vai embora com a pior impressão possível. Já ouvi gente dizendo: “Brasília é linda, mas impossível de andar sem carro.” E é verdade. Se você não tem carro, depende de um sistema que parece feito pra te lembrar o tempo todo de que você não pertence àquele espaço.
Às vezes me pergunto se quem toma essas decisões realmente anda de ônibus. Se pega fila na Rodoviária, se tenta comprar um cartão às dez da noite quando tudo tá fechado. Aposto que não. O transporte público deveria ser pensado pra facilitar a vida de quem mais precisa, não pra empurrar as pessoas pro transporte individual.
Como criador do Roberto No Trecho, eu vivo mostrando o Brasil como ele é — com seus atalhos, suas gambiarras e seus absurdos. E esse caso do transporte no DF é um baita retrato de como as coisas funcionam por aqui: a gente adora copiar o discurso bonito de modernização, mas esquece de garantir o básico.
No fim das contas, o que deveria ser um serviço público virou um privilégio de quem tem cartão, celular e internet. O resto fica à margem — literalmente, na calçada, olhando o ônibus passar.
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